Jornalismo ou Reality Show?

23-01-2010 15:55

De vez em quando é bom que apareça alguém a chamar a atenção para aquilo que nos é dado a consumir nos telejornais sob o epíteto de Informação ou Jornalismo. Vem isto a propósito de um artigo de Henrique Raposo no Expresso on-line de ontem, 20 de Janeiro. 

Têm-se gasto horas de reportagem em todos os órgãos de comunicação, principalmente nas televisões, a contar ao detalhe as tragédias da tragédia que foi o sismo no Haiti. Enviam-se repórteres para a cena de «guerra», usam-se os mais sofisticados meios de captação, edição e transmissão de imagem, convidam-se comentadores e especialistas, interrompem-se emissões com directos (muitas vezes, redundantes) e monta-se o cenário para que, nos momentos noticiosos, cada um de nós possa receber em sua casa as «últimas do desastre».

Até aqui, tudo bem: o jornalismo e a infomação têm uma papel decisivo na divulgação dos factos que fazem a realidade próxima ou distante e é esse trabalho que, frequentemente, tem o condão de alertar para problemas graves da sociedade o que, ao fazê-lo, contribui, muitas vezes, para a sua resolução. Basta pensarmos no que aconteceu em Timor: se não houvesse imagens do que aconteceu no cemitério de Sta. Cruz, em Dili, talvez hoje aquele país não fosse independente e continuasse tiranicamente subjugado à ocupação da Indonésia. A imagem é, por isso, decisiva no jornalismo actual.

Mas, para a informação, é igualmente decisivo o respeito pela ética jornalística e pelo código deontológico que enforma a profissão. E a exploração da dor e do sofrimento humano não se enquadram nestas regras. Na verdade, aquilo a que temos assistido (em volume e conteúdo) na cobertura jornalística da situação trágica que se vive em Port-au-Prince, começa a abandonar os limites da Informação e a invadir o espaço de verdadeiro Reality Show onde, como é sabido, interessa o sensacionalismo e «quanto mais emoção melhor». Nada de novo afinal: já tinhamos experimentado o mesmo aquando do tsunami de Phuket, do furacão Katrina que assolou Nova Orleães, ou da queda da ponte de Entre-os-Rios, com famílias de vítimas a serem invadidas na sua privacidade, com perguntas do tipo «Como é que se sente?». Isto, só para citar alguns exemplos. O sistema mediático obriga(?), as audiências mandam e, parece que «é disso que o povo gosta». Mas, será mesmo?

Convém lembrar que as audiências somos nós e que existe, há muitos anos, um dispositivo maravilhoso chamado controlo remoto. Com efeito, o «comando é nosso», a capacidade crítica e de decisão também. Saibamos usá-los então. Porque este tipo de produto televisivo é cada menos Informação e cada vez mais entretenimento, trasformando-nos a todos em consumidores de, como lhe chama Henrique Raposo, voyeurismo ou pornografia emocional.

(vale a pena seguir o link e ler o pequeno artigo do jornalista na edição de 20 de Janeiro do Expresso)

LFC